O ano de 2020 foi marcado por uma crise sanitária mundial que
nos obrigou a nos manter reclusos em nossas casas, limitando nossas
relações de muitas formas, trazendo insegurança, medo e incertezas. Para as famílias expatriadas a distância geográfica era um agravante.
Nesse contexto, como amenizar as distâncias e semear esperança em meio à tanta instabilidade? Foi então que surgiu a ideia de reunir, virtualmente, crianças brasileiras plurilíngues e expatriadas em torno de um bem comum, o português como língua de herança (o PLH), e ao mesmo tempo estreitar os laços com a cultura brasileira e fortalecer nelas o senso de pertencimento a uma comunidade maior de crianças que vivenciam experiências transculturais semelhantes.
“Da janela da minha casa”
Um dos projetos desenvolvidos nessa comunidade virtual foi o projeto “Da janela da minha casa”, onde foi possível semear a esperança em um momento de medo e insegurança como o da pandemia por meio da literatura.
Dentre muitos benefícios, a literatura é um meio muito eficaz no ensino do PLH por diversas razões: expande o vocabulário do falante de herança, torna
o seu repertório lexical mais diversificado e de qualidade, estimula o prazer de ler na LH, envolve a família no processo de desenvolvimento linguístico da criança e, consequentemente, estreita os laços familiares e fortalece a identidade cultural do falante de PLH.
Devido às circunstâncias daquele momento, para este projeto, usamos como base o livro Esperança onde está você? que aborda em 6 capítulos curtos o tema da esperança em tempo de reclusão social durante a pandemia. Cada capítulo explora as dificuldades vivenciadas por crianças de cada continente do mundo.
Através da leitura as crianças se identificaram com as personagens e com os sentimentos e frustrações vivenciados durante a pandemia. Isso abriu espaço para que elas também expressassem seus sentimentos, refletissem sobre suas próprias dificuldades vivenciadas nesse período e também pensassem não só em si, mas sobre o que membros da sua família ou outras crianças ao seu redor estariam vivenciando e como elas achavam que poderiam ajudar.
Um capítulo era lido a cada encontro, seguido de uma conversa orientada por uma sequência de perguntas para reflexão e troca de experiências.
Atividades desenvolvidas nos encontros
Uma das atividades desenvolvidas foi a leitura da história de Nikau, um menino da Oceania que se mudou para o interior quando todas as lojas estavam fechadas. Ele se sentia sozinho e invisível por não poder fazer novas amizades, além disso sentia falta das coisas que não podia levar nas mudanças. Mas com a ajuda de seu irmão ele encontra uma forma de extravasar suas emoções e de se reconectar com seus amigos, mesmo estando distante.
Após a leitura, exploramos com as crianças a imagem e conversamos sobre a história orientados por perguntas como:
Nikau se mudou para outra cidade durante a pandemia. Você teve que se mudar durante a pandemia? Você gostou desse novo lugar?
- Você se sentiu sozinha/o em algum momento?
- Nikau se muda com muita frequência, e, por isso, não pode levar muita coisa consigo. Quando você vai para um novo lugar que coisas você escolhe levar com você?
- O que você vê do seu quintal? Como você se sente?
Algumas vezes as conversas eram conduzidas com o auxílio de atividades interativas no Wordwall.
Após a atividade de compreensão textual, seguimos com a reflexão sobre o tema, passando pela experiência pessoal da criança até a sua relação com a comunidade. Tudo conduzido em português, dando oportunidade às crianças de se expressarem na língua de herança.
Ao final de cada encontro foram sugeridos desafios ou tarefas para serem realizadas depois do encontro que envolvessem toda a família, como por exemplo, tirar foto e observar o que via da janela de casa, escrever uma cartinha de encorajamento a um amigo ou alguém da família, ou ainda escrever sobre suas próprias experiências.
A seguir, algumas produções das crianças:
Fotos que as crianças tiraram das janelas de suas casas:
Apesar do desafio da distância geográfica e do contexto de isolamento provocado pela pandemia, o projeto “Da janela da minha casa” possibilitou que um grupo tão heterogêneo de crianças, com níveis de português, vivências e contextos muito diferentes, mas que compartilham a mesma língua e cultura de herança, se conectassem e pudessem refletir sobre temas difíceis como perdas, medos e inseguranças que enfrentavam durante a pandemia.
Por meio das reflexões em grupo, as crianças puderam descobrir que não estavam sozinhas, que havia outras crianças brasileiras que vivenciavam desafios semelhantes e que juntos podiam se encorajar mutuamente, fortalecendo, assim, o senso de pertencimento e sua identidade cultural. As reflexões permeavam suas vidas no âmbito pessoal, familiar, local e global. A partir de suas janelas, elas puderam olhar novos horizontes, vislumbrar um futuro melhor e renovar a esperança.